Arquivo mensal: outubro 2014

O sacrifício de Isaac

Nasceu Isaac, um novo tempo. Por volta de 2066 a.C.. Filho de Abraão com Sara. A criança corria e brincava pelas terras secas daquelas paragens. Mas Deus resolveu testar a fé de Abraão. Ordenou que ele sacrificasse seu filho Isaac. Dureza, hein. Sejamos sinceros. O único filho que ele conseguiu ter com sua mulher já idosa, a muito custo, um milagre. E Deus pede que ele abra mão do menino! Mas ele não tergiversou. Preparou tudo e subiu ao monte. Isaquezinho não estava entendendo nada. Temos o fogo e lenha, mas onde está o cordeiro para o holocausto? Deus proverá, meu filho. E Deus, de verdade, providenciou. Viu que Abraão tinha fé. Que O amava acima de tudo. Acima até mesmo de seu querido filho. Uma história bonita, apesar do que dizem as más línguas. Aliás, as más línguas nunca gostam de boas histórias.

Uma fumaceira que subia do solo

Mas antes disso tem a destruição de Sodoma. Os cananeus foram derrotados por seus inimigos mesopotâmicos. Entre eles está Amrafel, rei de Senaar, que alguns dizem ser Hamurabi, em carne, osso e sangue. Ló é feito prisioneiro. Abrão, sangue de seu sangue, reuniu 318 soldados seus. Alguns amorreus. E foi soltar seu sobrinho, porque era o que de mais justo achou que deveria fazer. Atacou a cidade à noite, resgatou os prisioneiros. E no caminho de volta deu um décimo da pilhagem ao rei e sacerdote de Jerusalém Melquisedec. E devolveu o restante para Sodoma. Juro pelo Senhor Deus Altíssimo, criador do céu e da terra, que não aceitarei sequer um fio ou uma correia de sandália nem nada do que te pertence. Que era um homem deveras justo. Justo como poucos.

Pois sim. Abraão intercedeu a Deus por Sodoma. Deus prometendo salvar a cidade em honra aos justos. Só que lá não havia justos coisíssima nenhuma. Só perdição. Dois anjos foram enviados à cidade. Na hora da correria, truta, a mulher de Ló, contrariando a diretriz conhecida, olhou para trás e, pronto, petrificou-se. Abraão madrugou e se dirigiu ao lugar em que havia estado com o Senhor. E viu uma cena de filme. Olhou na direção de Sodoma e Gomorra, toda a extensão da várzea, e viu uma fumaceira que subia do solo, como a fumaça de um forno. De arrepiar, não acham?

Abraão

A história de Abraão começou com o que o Senhor lhe disse. Sai de tua terra natal, da casa de teu pai, para a terra que te mostrarei. Nascido provavelmente no ano de 2166 a.C., Abraão deixou Harã com 75 anos e foi para Canaã. Foi para o lugar santo de Siquém, no Carvalho de Moré, onde construiu um altar. Lá habitavam cananeus. Lá pelas tantas, separou-se de Ló, seu sobrinho. É que ambos tinha muitas cabeças de gado. Se ficassem juntos, ia dar problema na certa. Seus empregados já começavam a arrumar confusão uns contra os outros… Como os empregados hoje fazem. Não mudou nada. Para onde foi Ló? Depois de caminhar errante. Ló foi parar em Sodoma.

Pois sim. A História dos Judeus começou de verdade aqui. Com Deus prometendo a Abraão uma terra para o seu povo e uma numerosa descendência. Como as estrelas do céu. Abraão ouviu de Deus: do lugar em que te encontras, olha e contempla o norte, o sul, o nascente e o poente. Todo o país que contemplas, eu o darei a ti e à tua descendência para sempre. Abraão, confiante, foi para o Carvalho de Mambré. Ele e sua esposa Sara. E também Agar, sua escrava. Deu problema. Deu problema porque sua esposa Sara não podia ter filhos. E foi ela mesma quem disse a Abraão: deita com nossa escrava Agar. Quem sabe ela não nos dá filhos? Só que Agar, uma vez grávida do patrão, ficou cheia de si. Passou a tratar Sara com insolência. Resultado. A porta de saída é a serventia da casa. Foi-se. Mas no deserto um anjo lhe recomendou que voltasse e obedecesse à sua patroa. No meio da história toda, nasceu Ismael. Já estava aí, em semente, as primícias do conflito que marca nossos tempos. O conflito entre Israel e a Palestina.

Algum tempo depois, Deus prometeu que Sara teria um filho de Abraão. Ele, com cem anos; ela, com noventa. Sara ouviu essa notícia também de três viajantes. Achou graça, riu. Foi a primeira risada da história. Um riso solto, de quem não se leva muito a sério. De quem só a Deus leva a sério. Eu já estou seca, será que irei sentir prazer, com um marido tão velho? Para encurtar a história, Sara deu à luz Isaac, o pequeno Isaac.

Posso não concordar

Todo mundo conhece a frase de Voltaire. Posso não concordar com nem uma palavra do que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo. Muito bonito. Só que não funciona. O que funciona mesmo é o seguinte. Posso não concordar com nem uma palavra do que você diz, mas não o matarei por dizê-lo. Posso não concordar com nem uma palavra do que você diz, mas não posso ser contra o seu direito de dizê-lo. Você pode dizer o que quiser, mas eu não sou obrigado a ouvi-lo. Fui. Não dá para aproveitar nem uma vírgula do que você fala, mas a lei lhe garante o direito de continuar falando, fora da minha casa, tudo o que quiser.  Fora da minha casa. Etc. Ora, a noção de autoria exige que a pessoa se responsabilize pelo que diz. E, se necessário, que faça uso da força pública para proteger o exercício de sua liberdade de expressão. Eu, como bom ouvinte, posso até defender, com reservas, o direito que os outros têm de falar besteiras. Mas veja só se eu vou defender até a morte o direito de um imbecil qualquer de dizer a primeira coisa que lhe passa pela sua cabeça vazia… Jamais. Ele que se vire com suas bobagens para lá. O direito de falar besteiras existe? É claro que existe! Está lá no art. 5º da Constituição. Isso significa que ninguém pode matá-lo por dizer bobagens, é claro. Mas não espere que eu dê a minha vida para garantir a alguém o sagrado direito de semear sandices pelo mundo. Eu não farei isso. E não recomendo que ninguém faça. A vida da gente é muito valiosa. E, além do mais, todo mundo tem mais o que fazer.

O que unia os diversos povos gregos

As cidades-estado gregas eram como irmãos problemáticos. Estavam sempre em pé de guerra umas com as outras. Mas apesar disso. Na hora de sentar na mesa para tomar a refeição e conversar. Eles sentavam na mesa e conversavam. Como assim? Bom. Em primeiro lugar, havia a língua comum. O que os diferenciava dos bárbaros incompreensivelmente balbuciantes. Além disso, a Ilíada estava ali na estante para recordar que na Guerra de Tróia, na hora do aperto severo, a união havia feito a força. Os exércitos gregos se uniram e venceram. E eles não eram bobos. Briguinhas internas aconteciam. Mas na hora de falar sério sentavam e conversavam. Mais. Sobre a cômoda estava uma estátua de Zeus, rodeada por outras divindades menores. Para lembrá-los da crença comum. Tinham até um santuário comum, o Santuário de Pítia, depois transformado em Delfos, onde davam expediente sacerdotisas que sabiam muito bem dizer o que os deuses pensavam e como as pessoas deveriam agir. As confraternizações aconteciam também nas olimpíadas esportivas, que começaram em 776 a.C. Momentos em que as guerras eram suspensas. Nas festas e nas dificuldades, as diferenças eram vencidas. Ou simplesmente esquecidas. Amizade é questão de dar foco nas coisas boas. Por isso é que é difícil ser amigo de quem não presta.

Homero e Hesíodo

Homero e Hesíodo aconteceram no final da era das trevas, entre os séculos X, IX e VIII a.C. Se Homero existiu, ele viveu seu apogeu por volta do ano 850 a.C. Hesíodo, por volta de 750 a.C. Homero é  o primeiro e o maior dos poetas da literatura universal. Autor de duas grandes epopeias. A Ilíada. Um poema de guerra. História da cólera de Aquiles, de suas questões com Agamenon, rei de Micenas e chefe da expedição contra Tróia. Um jovenzinho temperamental, enfim. E também das consequências funestas desta querela para os gregos-aqueus que assediavam Tróia. E a Odisséia, relato fantástico do retorno de Ulisses de sua longa viagem pelos mares regionais. E da espera de Penélope. Considerado um dos pontos mais altos de toda a literatura universal. Logo ali, no começo de tudo. Veja só que coisa engraçada. Hesíodo tem reputação mais modesta. É o autor de O Trabalho e os Dias, sobre a boa administração de uma granja. Grande elogio do valor do trabalho. Também escreveu a Teogonia. Uma genealogia dos deuses gregos. Base oficial de toda a religião grega antiga posterior. Vamos combinar de ler trechos dessas obras em algumas das próximas aulas extras. Porque esse negócio de ficar lendo a Coleção Vagalume nessa idade de vocês é coisa de retardado. Ninguém vai para a frente com uma coisa dessas. Pô.

Futebol

Você gosta de futebol, Alarico?

Não.

Não assiste aos jogos do Galo?

Não.

Nem aos jogos do Brasil nas copas do mundo?

Não.

Mas por quê?

Porque não.

Você não quer nos explicar por quê? Diga qualquer coisa! Algo como ‘fico entediado’, ‘não gosto de disputas’, ‘o futebol é o ópio do povo’, ‘não vejo sentido em ficar olhando vinte e dois homens correndo atrás de uma bola’…

Não é isso.

Então você não sabe por que não gosta de futebol, Celestino?

Não, não sei. Não gosto. Essa é a verdade. Se não tenho paciência para pensar em futebol, como vou me interessar em saber por que não gosto de futebol? Não faz sentido. É como torresmo. Eu gosto. ‘Por que você gosta de torresmo, Alarico?’ Meu rei, torresmo é um negócio que se come. Torresmo e metafísica são objetos inconciliáveis. É aquele negócio: mais Platão, menos torresmo. Fico com o torresmo.

Um novo lugar para os hemofóbicos

O governador de Alagoas Teotônio Vilela Filho é um estadista. Uma grande presença. Há alguns meses foi inaugurar um novo laboratório de hematologia. Foi em pessoa, que a solenidade merecia sua presença própria. De si mesmo, o local estava precisado. Chegando lá, apertou as mãos das enfermeiras que o cerimonial colocou em frente às câmeras. Tapinha nas costas, boa sorte, tudo bem com a senhora, satisfação em vê-los aqui etc e tal. Porém, no meio do caminho sempre tem um repórter. Por definição, um ser dotado de microfone que faz perguntas óbvias para pessoas óbvias. Eis que surge um repórter-óbvio com uma pergunta-clichê. Governador, o que representa a entrega desse ambulatório a partir de agora? Até o mais criativo dos seres humanos daria uma resposta repleta de obviedades. O governador, porém. O homem, contudo. Embora começando bem. Um melhor serviço para a população… Hoje sabemos: deveria ter parado nessa altura. Mas, não. Prosseguiu. Parênteses. Tenho certeza de que governador Teotônio Vilela é um homem que sabe ouvir. Mas não sabe separar o joio do trigo. Evidentemente. Certamente cheio até o limite da paciência de ouvir falar em ‘combate à homofobia’, cansado de ouvir, ouvir e ouvir e não entender nada a respeito do assunto — que aliás não está aí para ser entendido. Misturou tudo. Hemo. Homo. Filia. Fobia. E fez um samba do crioulo doido. No fim das contas, noves fora, palavra de governador, oficialmente, o novo ambulatório só não atenderá os homofílicos. O que, se você pensar bem, é uma tremenda injustiça. Caso evidente de homofilicofobia. Se não acredita, escute com seus próprios ouvidos. Um grande momento, sem dúvida. Para ficar na memória do sofrido povo alagoano.

Dietas

Hoje, o promotor criminal leu vinte páginas de Kant. Crítica da razão prática. E dez de Jakobs. Direito Penal alemão. O promotor de tutela coletiva, vinte de Rousseau. Origem da desigualdade. E uma pilha de laudos técnicos. O que dizem engenheiros ambientais, biólogos, psicólogos e médicos sanitaristas. Um terceiro, correndo por fora, não leu nada, que ler é se influenciar. Acordou e passou a vista em atas de congressos internacionais. Contemplou-as com a alma, na altura do nariz. De olhos fechados, sentiu o cheiro do papel. Cheiro de coisa nova. O texto, em inglês casto. Depois, tomou 20 ml de Antonio Gramsci diluído no café sem açúcar. Pronto para começar o dia. Há porém um outro qualquer, que acordou, fez o sinal da cruz, tomou café, pão com manteiga, e saiu para trabalhar. Honestamente. Porque dar a cada um o que é seu é a maior das revoluções.

Sobre a alternância de poder e as eleições maranhenses

Flávio Dino, do Partido Comunista do Brasil, venceu as eleições para o Governo do Maranhão. Tiraram a família Sarney do trono mais importante no Estado. Por um lado, isso é bom. É alternância de poder. A alternância de poder é uma coisa boa por um simples motivo: ninguém aguenta uma única pessoa fazendo besteira por mais de oito anos. As besteiras têm que mudar. De quatro em quatro anos, ou de oito em oito, é preciso arejar o ambiente e trocar de problema. Colocar a família Sarney para dar uma circulada foi a parte boa do negócio todo.

Por outro lado, vejo que os maranhenses estão em maus lençóis. É que o cabra já começou falando besteira em seu discurso de vitória. “Nós vencemos, pai, os comunistas venceram.” Ora, vejam só. Ou esse rapaz é comunista de verdade ou ele é um brincalhão. Brincando com coisa séria. A propósito, o PCdoB é o partido que faz cultos ao genocida chinês e ditador full time Mao Tsé Tung. Coitado dos maranhenses. Saíram do espeto e caíram na brasa.