Arquivo mensal: fevereiro 2015

Cultura e vida

A aquisição de cultura nos submete em maior grau à possibilidade de sofrimento. Claro. Quando você acessa os frutos da cultura humana, o seu mundo cresce e você passa a conhecer melhor a espécie humana, com suas bizarrices e com suas genialidades. Com suas maldades e com suas torpezas, também. Tomar pé da história da humanidade é fazer-se maior. Ou pelo menos ter a chance de se fazer maior. O provinciano que renunciou à cultura vive em seu mundo particular. Seu imaginário é preenchido pela televisão e pelas revistas. Vive em um sistema fechado. Nem mesmo um grande sofrimento é capaz de engrandecê-lo. Mundo pequeno, esse. Mais do mesmo. A renúncia à cultura é, em última análise, uma renúncia à vida.

Chiclete com Banana

Certamente você não gosta de música de trio-elétrico, axé music e Chiclete com Banana…

Você me respeite.

A que você atribui o fenômeno?

Que fenômeno?

Estou falando especificamente dos marmanjos e das marmanjas que correm atrás do trio elétrico e não perdem uma oportunidade de ir a shows da Ivete Sangalo, da Cláudia Leite e do Chiclete com Banana.

Você está falando dos tais ‘chicleteiros’, sim?

Sim, exatamente.

Não sei como avaliar o fenômeno. Está além da minha capacidade de compreensão momentânea. Por ora, classifico estas pessoas entre aquelas que padecem de grave distúrbio comportamental. Se o cabra já completou 25 anos e ainda bate no peito dizendo ‘eu sou chicleteiro’, não sei, eu internaria imediatamente. Só duas coisas podem salvar um ‘ser’ nessas condições: choque ou porrada. Veja. um ‘chicleteiro’ de quinze anos é compreensível. Um de dezoito, talvez ainda tenha salvação. Mas um de 25. Olha… não sei. Recomendaria manter sob observação.

E um de trinta anos, Alarico? O que você me diz de um ‘chicleteiro’ de trinta anos?

Se fosse um filho meu apanharia até aprender. Um marmanjo com uma cabeça dessas é uma vergonha para a família. Ora, veja.

Prêmio Cidadão do Mês (fevereiro de 2015)

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Na semana passada aconteceu que uma senhora de Araçatuba, SP, tentou atropelar uma enfermeira que lavava a calçada com uma mangueira. Por quê? Porque, segundo essa cidadã, aquela outra estaria ‘acabando com a água no mundo’. “Você não está vendo que a água no mundo está acabando?”, disse a motorista-responsável, que ainda perguntou se a sua atropelada estava ‘louca’. Em ato contínuo, a cidadã do mês parou o veículo nas proximidades e, sacando de seu aparelho de telefonia celular, tirou fotos da enfermeira lavando a calçada. Fez o tipo de quem diz: tenho a prova do crime.

Cá entre nós, não tenho nem o que comentar. Uma sandice própria de quem não tem o que fazer e sai por aí em busca de salvar o mundo dos terríveis lavadores de calçada. É bom economizar água? Sim, é. E o nosso bolso também agradece. Mas é melhor ainda evitar atropelar pessoas inocentes. Alguém discorda?

Por esse ato anti-heroico em defesa da própria sub-humanidade, a senhora do volante nervoso, que não foi identificada suficientemente, fez por merecer a nossa comenda ‘Cidadão do Mês’. Uma salva de palmas em homenagem à sua engenhosidade em defesa do planeta.

Se todos fossem iguais a você, que maravilha viver!

A vida entre os processos judiciais

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Nem todos os tribunais de justiça são feios. Os desembargadores costumam valorizar a beleza e, principalmente, investir dinheiro na construção de boas sedes. Mas e os fóruns? Os prédios dos fóruns, onde trabalham os juízes de direito, geralmente não são belos. Não são lugares bons de se passar o dia. Sem dúvida são melhor apessoados que qualquer delegacia de polícia civil — essas, sim, sucursais terrenas da casa do capeta. Ainda assim, na média, as sedes dos fóruns não costumam colaborar: têm um semblante fechado, uma energia carregada.

Embora aqui e ali, dentro das varas judiciais, haja gente feliz, e principalmente gente santa, a verdade é que lá tem muita gente infeliz, esgotada e cheia de preocupações. Mais preocupada que os próprios réus que, evidentemente, têm uma vida desgraçada. Como explicar isso? É que para a maioria dos réus o processo, o julgamento e a condenação são uma grande novidade — uma má novidade, claro, mas ainda assim uma novidade. Para os funcionários, nada ali é novidade. É tudo mais do mesmo. É mesmice. É chateação.

Por isso toda vez que você vir um fórum bonito, uma vara judicial bela e bem-energizada, toda vez que vir funcionários da justiça alegres e bem dispostos, saiba que você está diante de uma obra da graça de Deus, Aquele que não abandona Seus filhos.

Aplicativos para produtividade

Você gosta desses aplicativos para aumentar a produtividade no trabalho e nos estudos, Alarico?

Isso tudo é frescura. Coisa de quem não quer trabalhar. E fica inventando desculpa. O cabra não rende no trabalho, fica na internet, fica no Facebook rolando a tela buscando novidade. E aí, quando percebe que jogou meia hora de sua vida na lata de lixo da história ele vem com essa estória: preciso de um aplicativo de produtividade. Aí ele sai em busca de uma lista dos ‘dez mais’. E fica mais meia hora buscando essa ferramenta. Ou seja, ele já perdeu uma hora de vida. Agora ele terá de aprender como funciona o aplicativo e analisar se ele vai funcionar no seu caso… Mais meia hora, no mínimo. Sinceramente, isso tudo me parece muito bizarro.

Então como é que você faz para render mais no trabalho e nos estudos, Celestino?

É simples. Eu sento a bunda na cadeira e começo. E só levanto quando termino.

A importância de ter amigos

Vocês viram que no ano passado o governador do Mato Grosso Silval Barbosa foi preso. Foi assim. A Polícia Federal cumpria mandado judicial de busca e apreensão em sua humilde residência, em Cuiabá, MT. A investigação, destinada ao Ministério Público Federal, buscava encontrar provas de sua participação em esquemas de corrupção no Estado. Não encontraram muitas provas, não. Mas encontraram na geladeira um leite de saquinho tipo C com a data de validade vencida, o ar condicionado com o filtro sem manutenção (e, em Cuiabá, isso é um problema) e uma arma de fogo com o registro com data de validade também vencida. Pelo conjunto da obra, prenderam Sua Excelência em flagrante delito.

Disso tudo mundo já sabia.

O que não sabiam até esta semana é que no dia da prisão o governador recebeu dois telefonemas de solidariedade de duas das mais altas autoridades da República. Sim, telefonaram para ele o ministro do STF Gilmar Mendes e o ministro da justiça José Eduardo Cardozo.

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Fonte: http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2015/02/pf-intercepta-ligacao-de-bgilmar-mendes-para-investigadob-no-stf.html

Ambos começaram a ligação telefônica mais ou menos assim: ‘Governador, que confusão foi essa, meu rei?’. E prosseguiram:  Em que posso servi-lo? Vou falar com o Tóffoli. A Polícia Federal tratou você direitinho? Teve algum abuso de autoridade?

— Os meninos da Polícia Federal foram ótimos, ministro — disse o governador. O problema foi o Ministério Público. Quando eu estava prestando depoimento na Polícia Federal, chegou uma procuradora da República e falou que eu estava preso em flagrante, por recomendação do procurador-geral da República…

— Minha nossa senhora, que absurdo, que loucura, governador, não acredito etc e tal: Foi assim que os ministros se dirigiram ao governador que, no final das contas, acabou sendo preso — não por corrupção, pelo que vinha sendo investigado, mas por conta da tal arma com registro vencido.

As três melhores partes da conversa, para mim, foram: Gilmar Mendes falando ‘que absurdo’ e ‘vou falar com o Tóffoli’, José Eduardo Cardozo perguntando se os policiais foram carinhosos com o governador, e o próprio governador reclamando que o processo estava no STF por conta da prerrogativa de foro  do senador Blairo Maggi, que também estava meio enrolado na investigação.

A prisão aconteceu em 15.05.2014, mas as gravações só foram divulgadas nesta semana. Com a repercussão, o ministro Gilmar Mendes evitou comentar o assunto. Disse que telefonou ao governador por conta das ‘relações institucionais’ que com ele mantém. O ministro Cardozo disse que diante da possibilidade de ter havido abuso de autoridade era seu dever averiguar tudo direitinho junto à possível vítima.

Sei.

Agora que as gravações vieram à tona, duas coisas ficaram mais evidentes. Um: o Brasil pode não se parecer nada com uma República de verdade, mas a Justiça está conseguindo, aqui e ali, chegar a lugares que antes eram intocáveis. Dois: os governadores gostam mesmo é de ser julgados pelo Superior Tribunal de Justiça. Muito interessante.

Fujam das lisonjas

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Há diferença entre elogio e lisonja. É bom que se elogiem as pessoas que merecem ser elogiadas. Mas tudo isso deve ser feito moderadamente. O elogio em excesso é um mau negócio para ambas as partes. E ele se chama lisonja. Para os muçulmanos, somente é permitido lisonjear alguém que tenha, em determinado momento, o poder de tirar-lhe a vida. O que fica claro através dessa regra? Diga aí. Que a lisonja é, essencialmente, um instrumento de enganar e de controlar o outro. É por isso que quando o jovem rico veio falar com Jesus dizendo-o ‘bom mestre’, teve de ouvir, calado: por que me chamas ‘bom mestre’? Só Deus é bom. Se Jesus Cristo fosse mais desbocado, como eu mesmo sou, teria dito ao jovem: não tente me comprar com essas bobagens, deixe de frescura e vá direto ao assunto. Todos nós temos mais o que fazer