Arquivo mensal: maio 2015

Mulher guerreira

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Sua mãe, Celestino, era uma ‘mulher guerreira’?

Guerreira? Pois é. Hoje é moda falar nisso de ‘mulher guerreira’. Não sei bem o que é. Nem no que vai dar. Minha mãe não era ‘guerreira’. Guerreiro era meu pai. Minha mãe era mulher. Carinhosa, receptiva, paciente, compreensiva. Ponto.

Então seu pai era ‘guerreiro’. Em que sentido?

No sentido ‘macho’ do termo. Era ele quem defendia a família em caso de perigo. Canivete, faca, revólver trinta-e-dois. Quando eu era criança, um malandro foi lá em casa. Queria passar a perna no meu irmão. Negócio inventado de dívida. De empréstimo. Foi pegando coisa nossa e metendo no bolso, atrevido. Você acha que meu pai chamou minha mãe para resolver a pendência? Venha, minha nêga, põe esse cabra para correr. Você acha?

Conhecendo você como conheço, não imagino seu pai fazendo uma covardia dessas…

Pois sim. Meu pai soltou a mão na cara do sujeito. E mandou ele se aprumar. E deixar de conversa mole. Se meu irmão devia alguma coisa, que dissesse logo. Se não, que caçasse seu caminho já. O rapaz tentou argumentar, enrolando ainda um cadinho. Aí o velho, em silêncio, apontou a porta de saída com o dedo. Olhando bravo. O cabra não deu nem mais um pio. Saiu calado. Nunca mais voltou.

Guerreiro, seu pai.

Guerreiro…

E sua mãe, estava lá nesse dia?

Tava.

Fazendo o quê?

Cuidando das crianças e conversando com minha tia sobre nosso mau-desempenho na escola. A gente nunca foi bem na escola. A gente nunca quis se enquadrar naquelas bobagens. Minha mãe tinha bons livros em casa. Ela nos ensinava o que era mais importante, o que a vida nos demandaria mais tarde. Jamais me ensinou a lutar, a brigar, a falar alto. Quem me ensinou a arte da guerra foram meu pai e meus tios. Coisa que eles aprenderam com meus avós.

Você imagina por que temos hoje tantas ‘mulheres guerreiras’?

Bom. Provavelmente está faltando homem ao lado delas. Alguém tem que defender o lar. Se não for o homem, será a mulher. Se não for a mulher, serão as crianças. E se não forem as crianças, serão os cachorros.

Ou os passarinhos…

Ou os passarinhos. Exatamente.

ENEM: Platão se revirando no túmulo

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Renato Janine Ribeiro, atual ministro da educação
Em outubro próximo ocorrerá mais uma edição de um evento de proporções continentais: o ENEM. Vocês sabem. Sempre dá confusão. Pipocam liminares aqui e ali. Quase todas cassadas por desembargadores provavelmente já cansados de segurar a onda das bagunças do Governo Federal. Mas se coloquem no lugar deles. Uma liminar de caráter nacional não é coisa que se dê, assim, todo dia, como se se tratasse de uma simples prisão preventiva de um investigado da Lavajato.

Mas não é sobre isso o que eu quero falar. Quero falar do nosso ministro-filósofo Renato Janine, que resolveu arregaçar as manguinhas, dar uma entrevista coletiva e mostrar a que veio.

A chamada da reportagem é a seguinte: o ministro disse que: “Ninguém vai submeter alunos transexuais a situação vexatória no ENEM“. Ponto. Concordo. Até aqui. Não precisava ser nem filósofo nem ministro para concluir que ninguém pode constranger ninguém injustamente. A reportagem até conta um caso interessante: em 2013 um fiscal de prova comentou com uma aluna (ou aluno, não sei) chamada (ou chamado, não sei) Beatriz Marques Trindade (não sei) que sua aparência física não estava batendo com o nome que estava no cartão de inscrição. Depois de esperar um tempo lá fora, a aluna (ou aluno, não sei) conseguiu entrar e fazer a prova. Segundo diz, sofreu constrangimento pois o fiscal desrespeitou a orientação sexual dela (ou dele, não sei).

Qual é então a maravilhosa solução do Ministério da Educação? Renato Janine diz que estudantes poderão se inscrever com nome social e usar banheiros segundo orientação sexual. É isso mesmo. O ministro disse que:

— Ninguém deve submeter esses alunos a situação vexatória. Isso quer dizer o seguinte: que ninguém da equipe que for aplicar o Enem pode se dirigir a pessoa por um nome que não seja o seu nome social.

Ou seja. O ministro da educação está proibindo a todos os funcionários da educação de chamar as pessoas pelo seu nome de registro civil. Todos devem ser chamados, agora, pelo nome social. Mas que diabos é isso de nome social? É o nome escolhido geralmente por travestis e adjacências, compatível com o sexo de seu desejo. Então, por exemplo: o rapaz se chama Ariosvaldo Dutra dos Santos. Mas ele é travesti e tem seios postiços. Por isso, decidiu chamar-se Giordana Felícia Dutra dos Santos. Sem decisão judicial, sem nada. Então os fiscais de prova terão de olhar o documento de identidade (onde lerão “Ariosvaldo”) e serão obrigados, segundo o ministro, a chamar o Ariosvaldo de Giordana Felícia. Lerão no documento “Ariosvaldo” e olharão para a pessoa: ainda que por um acaso do destino o ser na sua frente se pareça de fato com o nome (muitos travestis têm a maior pinta de macho), não poderão chamá-lo de Ariosvaldo.

E os candidatos? Se chamarem Ariosvaldo de Ariosvaldo? Serão expulsos da sala?

E o banheiro, hein? E o banheiro, gente? Quando e se Ariosvaldo acordar Ariosvaldo ele vai ao banheiro masculino. Mas pode acordar, naquele dia, Giordana, e então irá ao banheiro feminino. Ou você vai querer impor à Giordana os antiquados limites da sexualidade medieval e condená-la a ser, para sempre, Giordana? Não há nada que a impeça de voltar a ser, quando quiser, Ariosvaldo de novo. Ora.

Como os travestis homens que se dizem fêmeas provavelmente utilizarão, enquanto se julgarem tal, o banheiro das meninas — com quem eles, pela aparência física externa, mais se identificam — e as meninas que se dizem macho provavelmente continuarão utilizando o banheiro das meninas. Já sabem o que vai dar: o banheiro feminino vai se transformar em um samba do afrodescendente acometido por transtorno mental. No bom português: uma zona.

Agora vocês imaginem uma professora de ensino fundamental, que mal-mal tem habilidade suficiente para ensinar matemática para menino de oito anos, diante de um desafio profissional absolutamente novo, inusitado, contrário ao seu mais evidente senso estético, com a espada do ministro da educação sobre sua cabeça. Minha modesta opinião: estamos criando mais e mais neuróticos a cada dia que passa.

Uma sociedade em que as pessoas decidem, a qualquer momento, como querem ser chamadas e em que banheiro querem entrar não é um lugar sério. Lamento lhes informar. Mas esse mundo está ficando muito maluco, maluco demais, maluco demais da conta.

Se Platão conhecesse Renato Janine Ribeiro jamais teria vindo com aquela de ‘rei-filósofo’. Jamais.