Neguinho não esculacha o Chico Buarque

chicoecaetano
Chico Buarque e Caetano Veloso, olhando ‘o passarinho’ numa época em que ‘ser do contra’ era sinônimo de ser de esquerda.

Paris foi vítima de um ataque terrorista horroroso. Em novembro de 2015. Muita gente colocou para tocar Imagine, de John Lennon. Como quem diz: vejam como eu estou aí para salvar o mundo. Tipo: se todos fossem iguais ao John Lennon e a mim, a terra viveria em paz. É isso o que esses bobos querem dizer. Só que não é assim, todo mundo sabe. John Lennon era um cara raivoso. Basta olhar os dentes dele. Rangendo.

Isso gerou muito protesto contra o pacifismo boboca de John Lennon. Principalmente entre os conservadores. Os de direita. Aí eu digo: bater no John Lennon é fácil. Ninguém, ou quase ninguém, teve compromisso com a beatlemania. Cantar Twist and Shout na adolescência não compromete ninguém. Todos sabem.

Mas, vejam, uma coisa que eu tenho reparado nos conservadores. Digam se não tenho razão. É que esses putos, quando eventualmente falam mal do Chico Buarque, outro esquerdinha-caviar, usam um tom de voz tão ameno que só tenho uma explicação para o fenômeno: têm o rabo preso. Tenho certeza de que esses direitistas mal-resolvidos, mesmo sabendo que o Chico Buarque é um petista incorrigível, lembram-se de que já se empolgaram cantando Apesar de VocêO Que Será e Geni. E pior: que já se acharam inteligentes cantando Chico Buarque. E aí vem o paradoxo: como cuspir no prato que comi? Como jogar a pedra na Geni?

Como cuspir no cara que a minha professora de Português dizia ser um gênio do tamanho de um Dante Alighieri? Como bater em um cara que fez uma música em que todos os versos terminam em proparoxítona? Seria o cúmulo do máximo do escândalo.

(…)

Eu mesmo sofro desse mal. Confesso. Também já fui brasileiro, como Carlos Drummond.

O negócio é o seguinte: se você já curtiu Chico Buarque uma vez na vida, não vai adiantar agora tomar remédio. Você pode ter-se convertido ao catolicismo, pode ser leitor do Diogo Mainardi e pode já ter lido de cabo a rabo, por duas vezes, O Mínimo Que Você Precisa Saber Para Não Ser Um Idiota e tal. Mas você sempre ouvirá no fundo de sua mente a voz de Chico sussurrando na sua cabeça: quero ficar no teu corpo feito tatuagem, que é pra te dar coragem. E ele fica mesmo, grudado na memória afetiva e musical. É muito duro conviver com isso. Já tentei me livrar de suas musiquinhas com oração e jejum. Mas ele sempre volta: Você vai me seguir, aonde quer que eu vá. Para me livrar dele, tenho dado esmolas para os miseráveis. Mas a cada dia que passa vejo que o verdadeiro miserável sou eu.

A propósito: a única coisa que guardo, saudoso, de meus tempos de beatlemania é ter tido a oportunidade de ouvir I am The Walrus na voz de Jim Carrey. Simplesmente fantástico. E só. Tudo o mais é lixo.

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