Arquivo da categoria: Colóquios

Por um mundo melhor

programas

Alarico, se você pudesse eliminar alguma coisa do mundo, o que eliminaria?

Nunca pensei sobre isso. Vejamos…

(acende o cachimbo e assiste à fumaça subindo em direção ao Céu)

Bem, eu acho que o mundo seria um lugar melhor sem os programas de auditório.

Só isso? Então você eliminaria os programas de auditório?

Na verdade, não. Eu não os eliminaria. Eu os utilizaria de um modo mais interessante.

E como os utilizaria, Celestino?

Eu reformaria o Código Penal e os colocaria como pena criminal cumulativa. Tipo assim: Art. 155 — Subtrair coisa alheia móvel. Pena: de um a cinco anos de reclusão e ficar com a televisão ligada o tempo todo assistindo ao Domingão do Faustão.

Tenho certeza de que assim reduziríamos a violência neste país…

Eu também acho. O que ia dar de bandido safado-sem-vergonha tentando arrumar um emprego honesto não está escrito.

É. Não está escrito.

Causas da violência

violencia
Fonte: http://casagrandedm.blogspot.com.br

Alarico, na sua opinião quais são as causas da onda de violência que assola o país?

Não é fácil dizer. Mas, em uma primeira análise, diria que é uma mistura de muitas coisas, entre as quais: o mito do policial amigo, a ideia falsa de que os direitos humanos estão aí para tirar vagabundo da cadeia, uma concepção angelical do ser humano, as secretarias de segurança pública, os sociólogos palpiteiros, líderes políticos avessos ao cumprimento da lei, policial corrupto que facilita para bandido, o Carnaval, a Corte Portuguesa e todos os vagabundos que vieram ganhar algum aqui e depois se mandaram e juiz bundão com medo do tribunal.

E a solução para tudo isso, Celestino, qual é?

Em primeiro lugar é preciso rezar e ter fé em Deus. Em segundo, saber que o crime sempre existiu e sempre existirá. E que não é função da lei propriamente acabar com o crime, mas reduzir sua prática a níveis aceitáveis. Depois, o seguinte: policiais cumpridores da lei, direitos humanos para as vítimas dos crimes (se sobrar energia, também para os bandidos condenados com trânsito em julgado), saber que o ser humano, geralmente, não presta, ter gente decente nas secretarias de segurança pública, acabar com os cursos de graduação em sociologia, ter líderes políticos cumpridores da Constituição e das leis, colocar policial corrupto para correr (sugestão: jogá-los em alto mar, sem bote), pular Carnaval somente nos quatro dias oficiais (os outros 361 dias podem ser leves, mas devem ser vividos com espírito ordeiro), colocar vagabundo aproveitador para correr (pode ser útil aproveitar a ocasião da remessa dos policiais corruptos ao mar e arremessá-los também), ter juízes machos que não puxam saco de desembargador.

Mulher guerreira

160945-050-A9D2193F

Sua mãe, Celestino, era uma ‘mulher guerreira’?

Guerreira? Pois é. Hoje é moda falar nisso de ‘mulher guerreira’. Não sei bem o que é. Nem no que vai dar. Minha mãe não era ‘guerreira’. Guerreiro era meu pai. Minha mãe era mulher. Carinhosa, receptiva, paciente, compreensiva. Ponto.

Então seu pai era ‘guerreiro’. Em que sentido?

No sentido ‘macho’ do termo. Era ele quem defendia a família em caso de perigo. Canivete, faca, revólver trinta-e-dois. Quando eu era criança, um malandro foi lá em casa. Queria passar a perna no meu irmão. Negócio inventado de dívida. De empréstimo. Foi pegando coisa nossa e metendo no bolso, atrevido. Você acha que meu pai chamou minha mãe para resolver a pendência? Venha, minha nêga, põe esse cabra para correr. Você acha?

Conhecendo você como conheço, não imagino seu pai fazendo uma covardia dessas…

Pois sim. Meu pai soltou a mão na cara do sujeito. E mandou ele se aprumar. E deixar de conversa mole. Se meu irmão devia alguma coisa, que dissesse logo. Se não, que caçasse seu caminho já. O rapaz tentou argumentar, enrolando ainda um cadinho. Aí o velho, em silêncio, apontou a porta de saída com o dedo. Olhando bravo. O cabra não deu nem mais um pio. Saiu calado. Nunca mais voltou.

Guerreiro, seu pai.

Guerreiro…

E sua mãe, estava lá nesse dia?

Tava.

Fazendo o quê?

Cuidando das crianças e conversando com minha tia sobre nosso mau-desempenho na escola. A gente nunca foi bem na escola. A gente nunca quis se enquadrar naquelas bobagens. Minha mãe tinha bons livros em casa. Ela nos ensinava o que era mais importante, o que a vida nos demandaria mais tarde. Jamais me ensinou a lutar, a brigar, a falar alto. Quem me ensinou a arte da guerra foram meu pai e meus tios. Coisa que eles aprenderam com meus avós.

Você imagina por que temos hoje tantas ‘mulheres guerreiras’?

Bom. Provavelmente está faltando homem ao lado delas. Alguém tem que defender o lar. Se não for o homem, será a mulher. Se não for a mulher, serão as crianças. E se não forem as crianças, serão os cachorros.

Ou os passarinhos…

Ou os passarinhos. Exatamente.

A Igreja e o uso de preservativos

condom
Sintomática campanha para estimular (acreditem!) o uso de preservativos. Fonte: http://www.huffingtonpost.com/2014/05/04/condom-ad_n_5263867.html
Alarico, por que as pessoas ficam tão incomodadas com a posição da Igreja em relação o uso de preservativos?

Esse é um dos grandes mistérios da humanidade. Não entendo por que as pessoas se preocupam com a opinião da Igreja sobre o uso de preservativos. Só há duas opções: i) tratar esse parecer eclesial como resultado de uma reflexão amadurecida sobre a natureza do sexo e as consequências de sua prática desvirtuada. Nesse caso você deve buscar entender melhor as razões que levaram à conclusão dela a respeito dos poréns dessa utilização. E fazer uso de preservativos em suas relações extraconjugais, se quiser. Ponto; e ii) tratá-lo como a opinião de uma instituição qualquer, que calhou de explicitar sua posição sobre o tema. E fazer uso de preservativos em suas relações extraconjugais, se quiser. Ponto.

É verdade. Mas apesar da liberdade que todos têm, parece que por algum motivo ainda se incomodam com essa opinião…

Sim, parece mesmo. A maioria das pessoas, inclusive muitos católicos, não chega a estudar suficientemente as razões da Igreja. Mas fica incomodadíssima com a ‘proibição do uso de camisinhas’. A pergunta que se deve fazer é: Meu rei, algum bispo já saiu debaixo da cama ou detrás da porta depois que você se trancou no seu quarto ou no motel para fazer suas estripulias? Acho que não, né? Então faça bom uso de sua liberdade e esteja disposto a responder por isso.

Você não acha que há muita gente preocupada com a possível repercussão que o parecer da Igreja tem na vida dos mais humildes, que — segundo eles pensam, mas não falam — ‘proliferam como ratos’?

Sim, acho. E acho que essa gente deveria procurar alguma coisa mais útil para preencher suas vidas. Cada pessoa que nasce é uma renovação das esperanças de Deus na humanidade. Qualquer vida é uma benção. Qualquer. Ainda que a gente queira ver todo mundo feliz, estudado e com dinheiro no bolso, a verdade é que Deus tem seus próprios caminhos. Ele tem seus próprios modos de conduzir a Criação. Mas há muita gente que discorda Dele e quer colocar camisinha na cabeça do povo. Quê que eu posso fazer?

Não acha que a questão é mais complexa que isso, Celestino?

Sem dúvida que é mais complexa. É muito complexa. É tão complexa que deveria ser proibido começar a discutir a questão da ‘paternidade responsável’ com a proposta de disseminar o uso de camisinhas. É muito simplista, é muito rasa. Tem retardados que dizem que a Igreja contribui para o aumento do número de casos de AIDS na África, porque ‘veta’ o uso da camisinha. Eu não sei que nome dar a essas pessoas. São, no mínimo, papagaios de pilha fraca. É triste. A solução da Igreja para esse problema é a castidade. E apesar dos risos sarcásticos de alguns, tem dado certo em alguns países. Confira.

Chiclete com Banana

Certamente você não gosta de música de trio-elétrico, axé music e Chiclete com Banana…

Você me respeite.

A que você atribui o fenômeno?

Que fenômeno?

Estou falando especificamente dos marmanjos e das marmanjas que correm atrás do trio elétrico e não perdem uma oportunidade de ir a shows da Ivete Sangalo, da Cláudia Leite e do Chiclete com Banana.

Você está falando dos tais ‘chicleteiros’, sim?

Sim, exatamente.

Não sei como avaliar o fenômeno. Está além da minha capacidade de compreensão momentânea. Por ora, classifico estas pessoas entre aquelas que padecem de grave distúrbio comportamental. Se o cabra já completou 25 anos e ainda bate no peito dizendo ‘eu sou chicleteiro’, não sei, eu internaria imediatamente. Só duas coisas podem salvar um ‘ser’ nessas condições: choque ou porrada. Veja. um ‘chicleteiro’ de quinze anos é compreensível. Um de dezoito, talvez ainda tenha salvação. Mas um de 25. Olha… não sei. Recomendaria manter sob observação.

E um de trinta anos, Alarico? O que você me diz de um ‘chicleteiro’ de trinta anos?

Se fosse um filho meu apanharia até aprender. Um marmanjo com uma cabeça dessas é uma vergonha para a família. Ora, veja.

Aplicativos para produtividade

Você gosta desses aplicativos para aumentar a produtividade no trabalho e nos estudos, Alarico?

Isso tudo é frescura. Coisa de quem não quer trabalhar. E fica inventando desculpa. O cabra não rende no trabalho, fica na internet, fica no Facebook rolando a tela buscando novidade. E aí, quando percebe que jogou meia hora de sua vida na lata de lixo da história ele vem com essa estória: preciso de um aplicativo de produtividade. Aí ele sai em busca de uma lista dos ‘dez mais’. E fica mais meia hora buscando essa ferramenta. Ou seja, ele já perdeu uma hora de vida. Agora ele terá de aprender como funciona o aplicativo e analisar se ele vai funcionar no seu caso… Mais meia hora, no mínimo. Sinceramente, isso tudo me parece muito bizarro.

Então como é que você faz para render mais no trabalho e nos estudos, Celestino?

É simples. Eu sento a bunda na cadeira e começo. E só levanto quando termino.

Medicamento para a alma

A quem recorrer em caso de desespero, Alarico?

Vai da pessoa e do tipo de desespero. E da origem dele, também. Geralmente funciona recorrer a tudo o que desendoidece. E como disse Riobaldo Tatarana, o que desendoidece a gente é a Religião. É verdade.

O que você chama de ‘recorrer à Religião’?

Estou falando de ter relação com Deus. E abrir a alma às transformações que essa relação certamente trará. Não será fácil, porque a maior parte de você é mundo. E Deus é o fogo que devorará o mundo que há em você. Vai doer. Ao longo do processo você apanhará um bocado. Você vai querer desistir, voltar ao mundo. Aliás, certamente você desistirá algumas vezes. Cansado, cínico, cético, preguiçoso. Mas com a ajuda dos Céus voltará ao caminho. Os resistentes vencerão.

Mais especificamente…?

Mais especificamente? Veja. Haveria muito o que dizer aqui. Mas você pode não ser capaz de entender agora. Em bom português, mais especificamente, busque os sacramentos, leia os Evangelhos e a vida dos santos. E o mais importante: ame de verdade as pessoas, a começar por você mesmo. Isso não é autoajuda, não. Amar o próximo quer dizer parar de falar mal das pessoas / parar de encher-lhes o saco / parar de pressupor más-intenções onde provavelmente só há ignorância, preguiça e fraqueza de espírito / preocupar-se com o genuíno sofrimento das pessoas e fazer o que está a seu alcance para aliviá-lo.

Também não vai atrapalhar se você fizer orações / abster-se periodicamente de coisas que lhe são muito atraentes / deixar de preguiça e fazer o que deve ser feito / e principalmente aceitar as coisas como são. Porque embora o homem bagunce um pouquinho o mundo é importante entender que as coisas só acontecem porque Deus permite. Toda revolta é, em última análise, uma revolta contra Deus.

Os ‘deuses’ do nosso coração

Romangods-banner

Você cumprimenta as pessoas falando ‘Deus te abençoe’, ‘Fica com Deus, ‘Deus te crie’, Celestino? 

Sim. É um bom costume. Mas veja. É um costume em franco desaparecimento. Hoje em dia muitas pessoas já acham agressivo dizer ‘Feliz Natal’. Alguns já não aceitam referências a Deus nas conversas. Em tudo isso enxergam um ar meio medieval. Lembram de correntes, de cilícios, de fogueiras. É dose.

E qual é o efeito disso na alma dos cristãos, Alarico?

Os bons cristãos continuam falando de Deus como quem respira um ar puro e reconfortante. Não se intimidam e, aliás, não sabem fazer outra coisa. Que é, francamente falando, o melhor assunto. Deus e suas obras são único assunto que interessa.

Não é o que tenho visto por aí, infelizmente…

Do que você está falando, meu rei?

Estou falando daqueles que contemporizam, que relativizam, que amaciam as palavras…

Sim, temos isso inclusive entre os cristãos nominais. Mas é o tal negócio: homens sem fibra em cima do muro olhando a vida passar, sempre os tereis. Né? Aqueles que dizem ‘Boas Festas‘, ‘Que a magia de um novo ano lhe encha de bençãos‘, ‘Que o deus do seu coração te abençoe‘. Como assim, ‘o deus do meu coração’, chefe? Às vezes, quando eu cochilo, o deus do meu coração é a vaidade, às vezes é uma picanha mal-passada, às vezes é uma mulher formosa. Você vai querer oferecer sacrifícios a qual deles? Um conselho: tome juízo. Não é o deus do coração que salva as pessoas. O Deus que salva é o Deus que é Pai, Filho e Espírito Santo. Deixemos de frescura. Que isso não dá camisa a ninguém.

A alma dos passarinhos

Quando um pássaro morre, Alarico, sua alma vai para o ‘céu dos passarinhos’?

É evidente que vai. Essa sentença está em uma poesia de Manuel Bandeira. E eu não costumo entrar em discussões com ele. Se ele falou, para mim é caso encerrado. O pardal morreu. A moça enterrou seu corpo no jardim. E a alma, Alarico? Ora, a alma foi para o céu dos passarinhos. Ponto final. Quem duvida disso bom sujeito não é.