O brasileiro é um bicho estranho. Tem uma verdadeira obsessão por regrinhas de conduta. Mas raramente acerta o alvo; só se importa mesmo, de verdade, com as bobagens, só investe sua indignação moral na fiscalização de miudezas. Há alguns dias um grupo de não-sei-o-quê resolveu fazer uma pegadinha com um engraçadinho que estacionou seu carro indevidamente em uma vaga de deficiente físico em Maringá, PR. Colaram centenas de adesivos no carro, de modo a identificar o infrator. Estigma. Minha opinião: é falta do que fazer. Tá faltando enxada em Maringá? Só pode…
Todo mundo sabe da importância das vagas para deficientes físicos e para idosos em estacionamentos. Ninguém duvida disso. Acontece, porém, que essa coisa ganha com frequência dimensões civilizacionais. Por aqui todo mundo acha que ser um bom ser humano é nunca ter parado na vaga de deficientes. É a primeira pergunta que o porteiro do Céu fará a um brasileiro médio: “Então, candidato ao Paraíso, você alguma vez ousou estacionar na vaga de deficientes físicos no shopping da sua cidade?”. Se a resposta for positiva, nem adianta ter se arrependido. É cana. Choro e ranger de dentes. Vai logo para o lugar quente onde há muita, muita, pressão. Aqui embaixo, na vida ante-túmulo, se o cabra parou em uma vaga reservada, é digno de receber prisão perpétua. Ninguém nunca mais dará emprego para o cara.
Pagar propina para o guarda? Beleza. Sonegar tributos? Tudo bem. Dirigir embriagado? Acontece. Trair a esposa? Normal. Passar a vida inteira sem se interessar por grandes coisas, sem buscar melhorar a própria conduta e a própria inteligência? É a vida do brasileiro, vítima da sociedade. Agora: parar em vaga de deficiente físico? É razão suficiente para condenar o desalmado motorista à cadeira elétrica, sem o devido processo legal. Porque gente assim não merece o nosso tempo e o nosso cuidado. Choque nele.
Seus putos, onde vocês pensam que vão parar com essas cabeças de pato?
Pelo amor que vocês têm pelas suas mãezinhas. Comecemos a dar a devida proporção às coisas. Existem milhares de coisas mais importantes para a gente se indignar. E a nossa capacidade de indignação é limitada. Se você gasta sua indignação com os motoristas sem-noção que estacionaram onde não deviam, não sobrará energia para se indignar com sua própria miséria. Logo, você continuará um miserável. Entendeu? É questão de matemática. Você será para sempre um miserável que posa de bom moço. Mas ainda assim — e por isso mesmo — um grandessíssimo miserável. Ponha a mão na consciência. E dê uma balançada na cabeça, que é para ver se os parafusos voltam para o lugar certo. Qualquer coisa, estou à disposição para ajudá-lo nessa empreitada.